
2010/11/09
Sobre um querer

2010/11/06
Poesia - Reynaldo Jardim
Reynaldo Jardim
O arquiteto é o engenheiro
da beleza funcional
que tem, como medida
padrão, a vital dimensão humana.
A pássara arquiteta o
ovo em sua forma exemplar
e limpa e pura, portanto,
bela. A lagarta arquiteta
o casulo, onde nascerá
a vida colorida, esvoaçando
seus azuis. O cupim arquiteta,
enquanto constrói seu
megalítico edifício com
milhares de compartimentos
e labirintos infindáveis, intricados,
que só ele decifra, percorre,
corre e ama.
A aranha-arquiteta teia, o
aranhol, moradia e armadilha
geometricamente desenhadas,
resistentes a chuvas, vendaval,
maldade humana.
Deus, arquiteto e engenheiro, em
seis dias arquitetou e construiu o
universo que, apesar de muito
antigo, ainda funciona
razoavelmente bem.
O homem arquiteta pontes,
monumentos, casas de morar e
trabalhar e morrer e orar.
Os outros animais, rastejantes
e voantes, mantêm o mesmo
estilo sempre funcional e belo.
O homem ainda não encontrou
o abrigo ideal para o
sonho e a vida, apesar de
inventar, a cada dia, formas
diversas para ocultar o
desassossego, tumulto e desespero.
2010/11/02
Da dor que ficou
2010/10/06
A pena - que é o desejo -

Tecidas as horas de mais um dia, eu sou um corpo que despe-se das monotonias e rotinas e queda sobre um lençol emaranhado. quieta. permaneço. um desejo, como pena, balança no ar, não sabendo para onde vai, e tampouco se importa com isso. não há mais. vai para lá e para cá e o meu corpo é um peso do fim do dia. repleto de faltas. de medos. de dúvidas...
Suspenso no ar, percebo que procura um lugar para se recostar. mas o meu corpo é o peso. o peso e o sopro de quem cansou-se das horas. não há mais. uma lágrima se forma no canto do olho e escorre sozinha e desprendida até o travesseiro. já não sei se me importo. no corpo e no peso e na solidão desse momento, muita coisa é efêmera. talvez essa lágrima quisesse definir algo, mas é apenas mais um desses pesos. o meu corpo, as horas, o silêncio e uma lágrima. não há mais. percebo que a suavidade do desejo, a pena, escolhe cair perto de mim, ao lado do travesseiro. lentamente levo a mão direita até ela e agarro-a com uma força de quem não quer deixar se esvair essa ponta de algo que pode reascender qualquer chama. agora somos nós: o meu corpo, as horas, o silêncio, a lágrima incompreendida e um desejo capturado que, refém dos meus dedos, quer rende-se, na ansiedade de transformar -se logo em ternura, em palavra, em amor.
e inundar.me.
2010/09/14
2010/09/11
26 anos

Tapeceiro, não se engana
Sabe o fim desde o começo,
Traça voltas, mil desvios sem perder o fio
Minha vida é obra de tapeçaria,
É tecida de cores alegres e vivas,
Que fazem contraste no meio das cores
Nubladas e tristes
Se você olha do avesso,
Nem imagina o desfecho
No fim das contas, tudo se explica,
Tudo se encaixa, tudo coopera pro meu bem
Quando se vê pelo lado certo,
Muda-se logo a expressão do rosto...
.
.
Trecho de O Tapeceiro - Composição: Stênio Március
=)
Foto: desconheço autoria
2010/08/07
Até quando?

O discurso do `` é difícil pra mim``, seja em relação a trabalho, mudanças, sentimentos, sonhos, pode até parecer interessante, mas também um pouco cínico. Contenta-se com menos do que se pode. Já que é difícil, vou ficar com esse trabalho mesmo, esse amor mesmo, essa vida rotineira e desgastante mesmo. É mais fácil dizer que é difícil do que levantar e ir tentar. Não que não devêssemos nos ajustar a situações, mas afirmar sempre que é tudo tão difícil soa um pouco cômodo. O que fazer para parecer ser fácil, ou menos difícil? Mudar a forma de pensar, querer sentir, mover-se contra a inércia que insiste em nos deixar estagnados vendo a vida passar? Não sei, eu também costumo me esquivar de tantas responsabilidades e desejos simplesmente porque `` é difícil pra mim.`` Não estou aqui para sustentar um discurso de auto ajuda : tente, vá, lute, você vai vencer! Seria muita hipocrisia, mas parei pra pensar nessa frase de ser tudo sempre tão difícil, e eu continuar dizendo isso pra mim, pro meu coração e pro mundo... Daí a vida vai correndo (e não espera), estações vem e vão, amores idem, oportunidades, e eu acabo me vendo como essa estátua aí, estagnada, imóvel, e cheia de ``dificuldades``, segurando o que a vida tem de melhor. A gente vira uma casca cheia de vontades e desejos por dentro, mas esses não afloram devido a nossa des-esperança de que talvez possa dar certo, mas é melhor nem tentar, é tããao difícil!
Mas vem cá, é fácil pra quem?
(e ser tudo difícil cansa...)
2010/07/28
2010/07/10
E se eu te pedisse pra tentar entender?

Desculpa essa falta de jeito, essa falta da palavra, da presença, mas é que, quando o sol brilha um pouco mais forte lá fora, anunciando um dia que vai ser muito bom, essa luz ainda fere um pouco as vistas.
2010/06/15
2010/05/04
De súbito
De repente um sentimento de despertencer, como se um barco que se desvencilha da âncora, como se uma pétala que explode do broto, como se a asa do filhote que se abre, como se a gota que cai da ponta da folha, como se o velho que se livra da bengala, como se a lágrima que se despede dos olhos... de repente esse sentir-se ímpar, sem saber como, o quê ou para onde, como se uma voz que chamasse pelo meu nome ecoasse distante, num clarão que já não cabe e rompe as frestas do coração e da alma, que só querem sentir-se completos.
2010/04/05
Duas solidões
Duas solidões são passantes que se entreolham, mas não se vêem exatamente nos olhos do outro. Vêem vultos, rabiscos, mas não a si. Mas, mesmo assim, sorriem, querendo transmitir o sorriso que pertence à outra pessoa. E eles sabem disso.
Duas solidões andam de mãos entrelaçadas, mas a mão é fria, o coração é distante. Mas, mesmo assim, trocam palavras bonitas, ainda que essas palavras tenham um destinatário, no fundo do peito, diferente.
Duas solidões brincam, mas a brincadeira, na realidade, não tem graça.
Duas solidões dizem palavras tocantes, e se forçam a acreditar nelas, mesmo sabendo que aquilo não o toca da mesma forma que tocaria se fosse dito por aquele ao qual pertencem realmente. E eles também sabem disso.
Elas se enganam... Duas solidões que insistem em se encontrar, em estar perto, mas só fazem é se afastar, e se perder de si.
E existem tantas solidões por aí, insistindo inutilmente em ser felicidade... não é?
Eu desejo que você nunca encontre a sua solidão gêmea ou muito parecida, como eu já encontrei e convivi. Que você nunca permita se enganar desse modo. Que realmente espere por quem ama. Afinal, ser solidão é acabar como aquele pássaro que, preso na gaiola há tanto tempo, e já acostumado a viver assim, desaprendeu a cantar. E eu não quero nunca que você desaprenda a amar.
Nunca.
2010/03/25
O fim do dia
Policarpo - Segredos (olhares.com)
O dia me cansa. As perguntas continuam pairando no ar. As certezas são escassas. Farta-me a indiferença das pessoas, a falta de sentimento. O tempo vai engolindo as horas como quem não se ressente de permitir um pouco mais de cor. É difícil lidar com a vida.
Resolvo voltar para casa, tomar um banho e, antes de lembrar do dia de amanhã, recolho-me a pensar em ti. É que quero um momento de paz, e, pensar num passado que reincide nessas horas que restam, solitárias, traz alento. Os nossos quase-eternos momentos. Às vezes quase não me lembro de muitos detalhes, ou não me esforço para tal. Basta-me lembrar da tua mão sobre a minha, do nosso silêncio, da minha não-solidão...
E, pensando que estás descansando, ou lendo, ou quem sabe vivendo também dessa forma... ou ainda que não estejas fazendo nada disso, eu, na ânsia por ti, desejo tomar carona nesse vento que sopra anunciando chuva, e, secretamente calada, sorrateiramente tua e instantaneamente feliz, ir até onde estás e dar um beijo em cada um dos teus olhos.